O Supremo Tribunal Militar de Angola considerou que 200 antigos membros da 23ª Companhia de Comandos foram transferidos ilegalmente para uma empresa de segurança privada “Teleservice” na “Região Leste” por ordem de generais envolvidos em operações mineiras. Novidade? Nenhuma. Se Angola é o MPLA e o MPLA é Angola… está tudo dito.
Recordemos, até porque nos honramos de fazer jornalismo com memória, o que aqui escreveu o nosso colega Sedrick de Carvalho, no dia 13 de Julho de 2018, sob o título «Criminosa segurança dos diamantes dos generais»:
«A empresa Kadyapemba é responsável pela segurança das instalações da Sociedade Mineira do Cuango, na Lunda-Norte. A firma tem a sua sede legal em Ndalatando, Kwanza-Norte, e é uma daquelas empresas tipicamente angolana: faz tudo, “desde que os sócios acordem e seja permitido por lei”. É o que diz o seu registo, feito em Agosto de 1999.
Esta é a empresa substituta da macabra Teleservice, pertencente a oito generais e amplamente descrita por Rafael Marques no livro «Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola» (Tinta-da-China, Lisboa, 2011). Só para relembrar, não há dúvidas de que foram os agentes de segurança da Teleservice que, no início de 2010, retiraram os órgãos genitais de uma camponesa e depois a queimaram, tal como queimaram Isabel Afonso Ngoiosso, de 41 anos, encontrada a cerca de 250 metros do posto de observação da Teleservice (p. 15). Outras, para além de ficarem sem os genitais, foram-lhes retiradas também a língua.
A denúncia de Rafael Marques resultou num processo criminal contra o jornalista movido pelos generais, com Hélder Vieira Dias «Kopelipa» à testa do grupo, e a Sociedade Mineira do Cuango, da qual também são sócios e é o epicentro de toda a violência sistemática na zona diamantífera da Lunda-Norte. O também activista foi mesmo condenado, em 2015.
Talvez como forma de se esquivar das denúncias deixando como bode expiatório uma empresa de segurança conhecidíssima pela sua actuação criminosa, mesmo que não faça sentido por serem os mesmos proprietários, a Sociedade Mineira do Cuango abdicou da sua própria segurança e contratou a Kadyapemba em seu lugar.
Dois oficiais superiores são os proprietários desta empresa, nomeadamente, o comissário Eduardo Fernandes Cerqueira, nomeado por João Lourenço em Novembro para delegado do ministério do Interior e comandante provincial da Polícia Nacional no Huambo, e o chefe de preparação combativa do Exército das Forças Armadas Angolana (FAA), tenente-general Joaquim Constantino «Passy Kuiki». Está visto que a exploração de diamantes é um negócio que gira em torno de generais.
Era de se esperar uma postura completamente contrária à antecessora. Mas não! Desde que começou a operar em Cafunfo, há menos de um ano, agentes da Kadyapemba já mataram vários cidadãos que se dedicavam ao garimpo artesanal e feriram tantos outros. No primeiro semestre deste ano, segundo fontes fidedignas, dois cidadãos foram assassinados a tiro.
A mais recente vítima mortal é Amissy Katanga Muyaya, de 43 anos, que deixa quatro filhos órfãos e mulher viúva, desamparados e sem saberem onde recorrerem para verem responsabilizado o agente que efectuou o disparo à queima-roupa na tarde de sexta-feira, dia 6 de Julho, quando, sem nada dizer ao garimpeiro e colegas, acertou-lhe cobardemente pelas costas. Pelas costas!
O autor do disparo, como sempre, parece estar preso. Apenas parece, porque nunca são levados às barras do tribunal, nem a fingir, e ninguém confirma se está mesmo preso. A polícia local teme mais a Kadyapemba, obviamente por saber de quem é e para quem prestam serviços, por isso dá sempre o mesmo conselho aos familiares das vítimas: ir para casa e aguardar por um contacto da polícia. Mas que nunca é feito.
O garimpeiro Kito, de 29 anos, foi o escolhido em Abril para semear o pânico na localidade. Duas balas, uma em cada perna, em pleno meio-dia, mesmo tendo pago cem mil Kwanzas aos seguranças da Kadyapemba para poder procurar por diamantes nos arredores da zona controlada pela SMC.
Kito sobreviveu, tal como Pedro Casseno, também de 29 anos, entregue à sua sorte num hospital em Luanda depois de baleado pelo agente da segurança diamantífera identificado por Manuel João Simão. Os familiares lamentam o abandono por parte da empresa, tanto que têm dormido ao relento fora do hospital onde aguardam por qualquer chamada para, talvez, comprar uma luva ou seringa a pedido dos médicos.
Esses casos mostram a escalada contínua de torturas e assassinatos na região diamantífera prenhe de conflitos, com realce para o movimento independentista capitaneado pelo Movimento do Protectorado Lunda-Tchokwe.
Não se trata de actos isolados, como as autoridades classificam as denúncias feitas, mas de uma acção coordenada para manter a zona num estado de terror e, assim, permanecer o saque desenfreado das riquezas daquelas terras sem beneficiar as populações que ali habitam com, por exemplo, construção de hospitais e escolas condignas – o mínimo entre o que é básico.
A prestar contas à justiça deveriam estar os proprietários da SMC e da Kadyapemba, começando por exonerações dos cargos que ocupam, já que até está na moda exonerar.
Portanto, a política para este território deverá ser ponderada ao detalhe, inclusiva e humanista, tendo em conta que a extracção artesanal de diamantes é a principal actividade económica para sobrevivência da população local, que é, como em todo o país, maioritariamente jovem.”
Legenda. Os proprietários da empresa: Tenente-general Joaquim Constantino «Passy Kuiki» e comissário Eduardo Fernandes Cerqueira.